“É preciso desmistificar a nova Lei de Licenciamento Ambiental”, afirma Érica Rush.

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O PL 3729/2004, conhecido como a nova Lei do Licenciamento Ambiental, foi aprovada na Câmara dos Deputados sob muitas críticas da oposição e de setores da sociedade. Ela é apontada como um mecanismo para se flexibilizar a obtenção do licenciamento ambiental para construções e obras em locais de preservação, mas a advogada formada pela Ufba, Érica Rush, mestra em Direito Econômico pela universidade e especialista em Direito Ambiental pela PUC-SP, explica que é preciso “desmistificar” o tema.

De acordo com Érica, a Lei propõe na verdade uma padronização das diversas legislações já existentes nos municípios e estados, o que dificulta a aplicação e a devida fiscalização. A advogada argumenta que a dispensa do licenciamento não isenta pessoas e empresas de cumprirem as normas ambientais e de serem punidos com o rigor da lei.

Em um cenário de crise econômica e retração de investimentos, Érica Rusch diz que a nova lei pode ser fundamental para aumentar a “segurança jurídica” do país, aspecto considerado prioritário para investidores internacionais.

A entrevista com a especialista faz parte da série de conteúdos da Semana do Meio Ambiente promovida pelo GRUPO A TARDE, que conta com programação exclusiva no portal, impresso e na rádio A Tarde FM, e que se estende até o próximo sábado (12).

O Brasil tem uma legislação específica para questões relacionadas ao meio ambiente, temos a Lei n° 6938 e o recente Código Florestal. Alguma delas fala sobre licenciamento ambiental?

R: A Política nacional de meio ambiente é quem prevê licenciamento ambiental, mas não regulamenta procedimento do licenciamento. O Código Florestal vem tratar de áreas de proteção ambiental, reserva legal, mas não trata especificamente do licenciamento. A nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental é extremamente esperada porque é uma lei procedimental, que define uma regra geral para o licenciamento no país. O Brasil tem muitas normas, muitas leis que protegem o meio ambiente, mas não tínhamos lei específica tratando do procedimento ambiental a nível nacional. Os estados fazem suas leis e definem os sues procedimentos, então temos esse espaço em nosso ordenamento jurídico-ambiental.

A aprovação do texto na Câmara dos Deputados é vista com cautela por parte da sociedade e entidades, preocupadas com o eventual afrouxamento das normais ambientais para o licenciamento. Existe essa flexibilização realmente?

Precisamos desmistificar essa lei. Hoje se fala muito em flexibilização, mas eu entendo que traz na verdade uma simplificação, são coisas diferentes. A simplificação é algo desejável pois nos traz segurança jurídica, diminui a burocracia, torna mais simples o procedimento, portanto, mais transparente, mas ele não deve – ao menos em princípio – flexibilizar. Não podemos andar para trás em termos de proteção ambiental. O objetivo dela é uniformizar as leis no país, os estados têm leis procedimentais mas não existe lei nacional, geral de procedimento ambiental. Não quer dizer que as normas ambientais não devam ser observadas, devem sim ser observadas, mas por entender que algumas atividades não têm significativo impacto e podem ser protagonistas na gestão ambiental, aí sim deixa de se exigir licenciamento ambiental, mas isso não implica em não cumprir as leis ambientais.

A Lei do Licenciamento não impede que quem venha a descumprir as normais ambientas sofram sanções?

Não. O fato de uma atividade não ser passível de licença ambiental, não quer dizer que deve não devam cumprir todas as normas, e são muitas as obrigações. Uma vez descumprindo devem ser sim fiscalizadas e aplicadas as penalidades. É preciso assumir a consequências por atitudes ilegais

As leis brasileiras já existentes garantem, ao menos em tese, a proteção da natureza, de acordo com especialistas. No entanto, a gente vê aumentar os índices de desmatamento. O que falta para frear essa destruição?

Em termos de proteção, o país é tido como referência universal, mas não basta ter leis se a gente não põe em prática essas leis. Na minha opinião, o aumento do desmatamento nada tem a ver com a  legislação, há ineficiência do sistema fiscalizatório para impedir que essas infrações aconteçam. Quando a gente realmente tem impressão que a lei geral pode flexibilizar o licenciamento, é porquê depositamos na legislação o único instrumento de proteção ambiental, mas ele não pode ser o único. O maior instrumento deve ser o planejamento, organização, eficiência da fiscalização, que são instrumentos igualmente importantes. Eles sim, ao falharem, permitem que normas sejam desrespeitadas.

Na sua experiência na atuação em direito ambiental, os responsáveis são efetivamente punidos ou temos dificuldade nessa área?

Em matéria ambiental, uma pessoa jurídica ou física que pratique conduta ilegal, pode ser responsabilizada em três esferas: civil, administrativa e criminal. A administrativa se aplicam multas, embargam atividades, prendem equipamentos. A criminal é a responsabilização pela prática de crime ambiental, quem tem competência para apurar é o Ministério Público. Ele deve buscar primeiro a autoria, identificar quem praticou a conduta. Se ela se enquadra, está previsto na legislação e a lei de crimes ambientais é avançada e rigorosa. Mas, de fato, no Brasil ainda não há cultura da responsabilização criminal, é muito recente. A gente vê a atuação mais firme, mais severa, a obrigação de reparar danos, multas aplicadas, mas a responsabilização criminal não se vê tanto, mas é uma tendência que isso cresça a partir do momento que vamos ter regras mais claras.

Acredita que essa simplificação vai impactar diretamente no desenvolvimento do país, ajudando, por exemplo, a atrair investimentos internacionais?

O que trai investimento é segurança jurídica, e o que traz segurança jurídica são normas claras e transparentes, Essa lei vem com propósito de simplificar o procedimento de licenciamento, um dos grandes entraves para desenvolvimento de alguma forma, desburocratizar, e a tendência é que isso de alguma forma atraia investimentos, tanto externos como do próprio país, que passa a se sentir mais seguro para aprovações dos projetos e pode implicar no avanço do desenvolvimento sustentável.

Recentemente tivemos a aprovação do projeto de privatização da Eletrobras, mas há a preocupação de alguns parlamentares com o impacto no Nordeste, que abriga hidrelétricas, tanto as consequências ambientais quanto sociais. Como vê essa questão, tem alguma norma prevista no licenciamento específico de hidrelétricas?

Na verdade, o licenciamento ambiental de atividade como hidrelétrica, prevê para aprovação condições para sua implementação, a partir do momento que isso vai ser desativado, tem que haver dentro do processo um plano para desativação, que deve contemplar não só recuperação da área, do entorno, ou o controle dessa atividade. Não acontece apenas um dia, leva um tempo para acontecer, e isso tem que está previsto. O licenciamento, quando se consegue , consegue com prazo determinado, e é reforçado constantemente. A cada renovação se prevê a recuperação de impactos que tenham acontecido ao longo da atividade. No encerramento, a mesma forma, se prevê a recuperação da área, compensação de eventuais danos e tem que haver plano de desativação de atividade.

Acredita que a crise hídrica vai se agravar em um futuro próximo?

A água já é um grande problema. Temos locais já enfrentando crises hídricas. Quem vive da água atividades agrícolas passam por grandes dificuldades em situação de seca e a forma de racionalizar uso da água tem que ser cada vez mais rigorosa, pois de fato a água será e já é o grande problema do desenvolvimento , pois ecossistemas ambientais são o que são, em termo de riqueza biológica, por conta da água. Quando se diminui significativamente o recurso natural, isso impacta diretamente nos ecossistemas e na atividade econômica.

O cenário de crise no Ministério do Meio Ambiente e o crescimento do desmatamento e queimadas nos últimos anos tem afetado a imagem do Brasil? Como vê esse impacto na economia?

Existe uma crise institucional gravíssima que sem dúvidas impacta no país. Hoje também existe uma projeção questão do desmatamento que tem sido levado a nível internacional e mundial, e isso sem dúvidas impacta, porque principalmente bancos e fundos de investimento tem com requisito para destinar verba, o rigor em termos de cumprimento da legislação ambiental. Todo tipo de imagem negativa da proteção ambiental do país impacta diretamente no fundo de investimento e na aquisição de verbas, e agravando panorama de insegurança jurídica que dificulta os investimentos.

 

Fonte: http://www.atarde.uol.com.br/bahia/noticias/2171326-e-preciso-desmistificar-a-nova-lei-de-licenciamento-ambiental-afirma-erica-rush

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